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A Origem: Nem tudo foi um sonho

O filme mais engenhoso do ano funciona, mas peca ao apostar em vários planos narrativos e não apresentar uma profundidade dramática a altura. [Atualizado] Contém spoilers sobre o final

Leonardo DiCaprio é Dom Cobb, uma espécie de espião que entra nos sonhos para obter informações

Da primeira cena de A Origem (Inception, 2010) até o seu final, o espectador tem pouquíssimos momentos de descanso. Simplesmente não dá para sentar na poltrona do cinema ou no sofá de casa com o cérebro desligado para assisti-lo. É um filme que precisa da mente para ser apreciado – e entendido. Não que ele seja muito complexo ou “cabeça” demais, mas é longo e com vários níveis narrativos, por isso carece de atenção.

Em sua nova empreitada, o diretor Christopher Nolan (responsável por Batman – O Cavaleiro das Trevas) teve um orçamento de 160 milhões de dólares e um ótimo elenco disponível para contar a história de Dom Cobb (Leonardo DiCaprio), um tipo muito particular de espião. Com a ajuda da tecnologia, ele e seu grupo consegue adentrar o subconsciente das pessoas, enganá-las durante os sonhos e roubar ou obter informações preciosas. No início do filme, Cobb e seu parceiro Arthur (Joseph Gordon-Levitt) estão dentro dos sonhos de Saito (Ken Watanabe), um poderoso empresário do ramo energético, tentando conseguir informações para uma empresa rival. O plano falha e eles são obrigados a fugir, mas Saito faz uma proposta: se conseguirem não roubar, mas inserir uma ideia na mente de um jovem empresário que logo herdará o império do pai moribundo, Cobb deixará de ser um procurado em solo americano. E isso é tudo que Cobb quer.

Desde o início, há uma avalanche de informações. Afinal, estamos falando do complexo mundo do subconsciente humano, cheio de armadilhas e incertezas. Conforme personagens novos são introduzidos (como o próprio Saito ou a arquiteta Ariadne, interpretada por Ellen Page) novas explicações vão sendo dadas, servindo ao espectador como uma introdução à arte e à engenharia da invasão de sonhos.

Não demora nada para percebemos que demônios do passado assombram Cobb e estão seriamente comprometendo seus planos. Sua falecida esposa Mal (Marion Cotillard), continua aparecendo em seus sonhos e cobra que o protagonista vá ficar junto dela. Falar mais do que isso estragaria boa parte da trama.

 

Marion Cotillard é Mal, esposa de Cobb, que ainda atormenta o seu subconsciente

A Origem pode ser considerado o filme mais engenhoso do ano. Sua construção cheia de flashbacks da relação de Cobb com Mal e a inserção de imagens do passado no presente já seriam suficientes para manter o cérebro de quem assiste funcionando e tentando entender o que realmente está acontecendo. Mas Nolan vai mais fundo e abusa das possibilidades dos sonhos, dividindo a ação do filme em vários níveis narrativos, chegando ao cúmulo de criar, além do plano real de existência dos personagens, mais cinco camadas de sonhos (e em todas elas alguma coisa está acontecendo). Se você não entendeu muito bem como funciona a engenharia dos sonhos, explicada quase exaustivamente na primeira metade da película, torna-se uma tarefa difícil compreender e se localizar com precisão em sua metade final.

A trama, então, deixa de ser só uma história e vira um exercício virtuoso de roteiro – coisa a que Christopher Nolan está bem acostumado, visto outros filmes seus como Amnésia ou Insônia. Com a tecnologia em seu favor, o roteiro serve como ponte para uma direção virtuosa, mas só em alguns momentos (como nas cenas em que a gravidade é suspensa dentro do hotel). Os efeitos especiais não são meros artifícios estéticos dentro de A Origem e não tiram em momento algum a atenção do enredo. Quando são usados, geralmente mantêm o aspecto real dos ambientes e dos personagens.

 

Ellen Page é Ariadne, a habilidosa arquiteta

A trilha sonora composta por Hans Zimmer tem uma participação interessante na obra. Ela tem clima, mas não é totalmente etérea, como se esperaria de uma trilha para sonhos. A forma vigorosa que assume em momentos de maior tenção – como em diálogos decisivos, perseguições e lutas – ajudam a expressar a materialidade dos sonhos. As tensas notas graves sustentadas por oito compassos – executadas em várias partes do filme – reforçam essa impressão. Fora isso, a escolha da clássica “Non, Je Ne Regrett Rien”, de Edith Piaf, não é nada inocente. Usada como um aviso de que “os sonhos estão chegando ao fim”, sua letra é uma melancólica projeção da condição de Dom Cobb na história.

Embora o projeto de A Origem tenha sido concebido para não ser um filme assim tão fácil, ele peca justamente por pretender ser cerebral demais. Suas 2 horas e meia repletas de tramas que se chocam e sonhos dentro de sonhos cansam a mente. São situações demais sendo processadas ao mesmo tempo em planos diferentes que acabam não tendo a força dramática necessária. E isso compromete todo o tempo “gasto” tentando entender o filme.

A cena final de sonho, quando Cobb resolve acabar de vez com seus problemas e encontra Saito numa espécie de limbo, fica a impressão de que tudo está pacífico demais, correto demais, pré-agendado. Faltou, quem sabe, alguma reviravolta (se é que nosso cérebro, já bastante fatigado até aqui, conseguiria suportar mais essa). No final, nem tudo foi um sonho e mesmo o que se sonhou, foi real. A história, em resumo, é a de um pai que queria voltar pra casa.

SPOILERS SOBRE O FINAL

Após assistir ao filme, muita gente ficou em dúvida na cena final. Afinal, Dom Cobb volta para a sua casa no mundo “real” ou continua sonhando? O filme termina antes que possamos ter certeza se o peão continuará girando eternamente ou cairá. Mas há uma revelação que nos dá a resposta. Na cena final está o pai de Cobb, interpretado por Michael Caine, que afirmou em uma entrevista para a BBC 1 que a cena final se passa no mundo real. “Se meu personagem está em cena é o mundo real… eu nunca estou nos sonhos”, explicou.